Crônica da Semana - O bolo e o Trovão
O bolo e o
Trovão
- Domingos Almeida -
Sei
muito pouco sobre a Bíblia, mas achava que muita coisa dela não podia ser
interpretada ao pé da letra. Isso me incomodava bastante, mas como eu não sabia
se estava certa ou errada, eu procurava fazer igual a Nossa Senhora, guardava
todas essas coisas no meu coração. Por exemplo, dizem que Jesus ficou perdido
no templo e Nossa Senhora e São José só foram sentir falta dele três dias
depois. Três dias depois? Eu não consigo imaginar que minha Mãezinha do Céu
seria tão desatenta. Carreguei esse conflito comigo por muitos anos, até que um
dia Deus me permitiu viver um pouquinho da experiência de Nossa Senhora.
Eu e
meu marido participamos dos encontros do setor missionário que acontecem no
bairro. Sempre que tem novena, no último encontro acontece uma festinha para as
crianças. Na novena de Natal ficou acertado que o encerramento seria no salão
da igreja com todos os setores da comunidade. Meu setor aceitou a ideia desde
que não faltasse a tradicional festinha para as crianças, e para adultos
também.
Chegou
o dia. Eu, meu marido e meus três filhos estávamos lá. Ao final da novena
cantou-se “Noite Feliz” e em seguida começou a segunda parte: a esperada e tradicional
festinha. Além dos salgados e refrigerantes, dessa vez tinha também um enorme
bolo de aniversário. Como sempre, o bolo é a parte mais desejada e fica por
último. Ninguém arredou o pé, as crianças queriam comer bolo, e os adultos
também.
Ao
partir o bolo, cada um pegava seu pedaço e se acomodava para degustar aquela
delícia. Eu me aproximei da mesa central junto com meus filhos, a mais velha
com quatro anos, o do meio com dois, e a caçula com seis meses. Meu marido
estava proseando perto da porta de saída. Ao pegar bolo para mim e para meus
filhos, numa fração de segundos perdi de vista meu menino de dois anos. Não me
importei, se ele passasse pela saída, meu marido cuidaria dele. Após mais
alguns segundos, procurei meu filho pelo salão. Não o encontrei. Fui até meu
marido, nosso filho não estava com ele. Juntos procuramos pelo salão. A procura
foi sem sucesso. Perguntamos para algumas pessoas, ninguém dava notícia da
criança. Tudo foi muito rápido. Meu marido correu até a rua na esperança de que
o menino estivesse por perto. Tudo sem sucesso. Alguns se perguntavam como o
menino teria desaparecido sem que ninguém o tivesse visto sair do salão.
Aflita, lembrei-me da dor de Nossa Senhora quando o Menino Jesus ficou perdido
no templo. “Minha Mãe do Céu, proteja meu filho.”
A
procura e o desespero duraram em torno de dez minutos. Enquanto meu marido
aflito procurava nosso filho pela rua, dentro do salão a mesa do bolo era a
atração, e quando todos olhavam para o bolo, debaixo da mesa surgiu um garoto
com a boca e as mãos enlameadas de glacê. Era meu filho. Agradeci a Deus e
Nossa Senhora. Perguntei o que ele estava fazendo debaixo da mesa, e com toda
inocência ele respondeu:
– Eu
estava comendo bolo com o Trovão.
Trovão
era o nome de um cachorro que gostava de ficar nas imediações da igreja. Com o
tempo o pátio da igreja passou a ser sua casa. Como era um animal dócil e
brincalhão, as pessoas se divertiam com ele. No dia do encerramento da novena o
Trovão deveria estar cansado e resolveu descansar debaixo da mesa.
Pois
bem, se eu que sou humana, fraca e pecadora dei pela falta de meu filho em
apenas alguns segundos, Nossa Senhora, que é humana, forte e santa não perceberia
a ausência do Menino Jesus no templo? Procurei o padre da minha comunidade e
expus para ele minhas dúvidas e incompreensões. Com poucas palavras ele me fez
compreender que o número três significa “santidade”, mas que também pode
significar “tempo suficiente”. Finalmente entendi, os minutos de aflição que
levei procurando meu filho me pareceram muitas e muitas horas, e o tempo que
Nossa Senhora levou para encontrar seu Filho foram tão angustiantes a ponto de
parecerem dias para ela.
Terminada a conversa com meu pároco, ele me convidou para participar dos estudos bíblicos na paróquia e disse que se eu aceitasse, eu aprenderia muita coisa sobre histórias da Bíblia. Dito e feito, aprendi e aprendo muita coisa nos encontros de estudo bíblico. Meus três filhos estão criados, e enquanto Deus me der vida, saúde e lucidez, sempre dedicarei um pouco do meu tempo para estudar e conhecer a Palavra de Deus.
Terminada a conversa com meu pároco, ele me convidou para participar dos estudos bíblicos na paróquia e disse que se eu aceitasse, eu aprenderia muita coisa sobre histórias da Bíblia. Dito e feito, aprendi e aprendo muita coisa nos encontros de estudo bíblico. Meus três filhos estão criados, e enquanto Deus me der vida, saúde e lucidez, sempre dedicarei um pouco do meu tempo para estudar e conhecer a Palavra de Deus.