Crônica da Semana - Tempo de des-cobrir


Tempo de des-cobrir
- Berenice Rosa de Lima Sant’Anna -

“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus.” (Ecles.  3,1)
A citação desse ensinamento bíblico em pleno século das velocidades pode, erroneamente, ser considerada pelos desavisados desprovida de sentido. Porém, uma leitura mais atenta nos revela a complexidade das palavras do pregador: seria o homem capaz de vencer o ciclo da vida: nascer, viver e morrer?
Certo é que o ritmo acelerado do desenvolvimento industrial, tecnológico e científico vem alterando de forma progressiva a ordem natural do universo, dando-nos a ilusão de controle dos acontecimentos e da totalidade do tempo. Como consequência, vivemos na idolatria, no endeusamento do eu e não percebemos a inércia – disfarçada em dinamicidade – que nos envolve, não percebemos como estamos perdidos... O que importa é viver o agora e, na sofreguidão de viver o tempo presente, desestruturamos a rede de relações que nos cerca e ignoramos a construção da essência humana.
O carpe diem se confunde com uma ânsia de aproveitar a vida e o tempo de semear, de brotar, de florescer, de maturar, não é saboreado. Por isso a sensação de tempus fugit. De fato, a aceleração ou ausência de tempo é sinal de que ele está fugindo e, ironicamente, consumindo nossas forças neste frenético modo de viver.
É preciso nos livrar desta automação, desta sedução dos tempos modernos. É preciso, como diz Leonardo Boff, transcender, mas conscientes de nossas limitações para um firme enfrentamento das adversidades.
Com essa motivação, podemos afirmar – entre o nascer, o viver e o morrer – que o nosso tempo é quando experimentamos a transcendência, é quando vivenciamos a alegria de dar e de receber. O nosso tempo é quando, na beleza única do momento que nunca mais será, (des)cobrimo-nos.