Crônica da Semana - Velho Sabido

VELHO SABIDO
A inteligência é para o mundo, a sabedoria é para Deus...
- Domingos Almeida -
Meu avô era um homem de pouca conversa e de pouquíssima escola. Escrevia e lia com dificuldade, mas tinha muita consciência do que fazia e do que falava. Embora estivesse longe de ser um analfabeto, mesmo assim, sem orgulho, claro!, ele dizia: Eu sou analfabeto. Não era dado a cálculos complexos e nem ao uso de novas tecnologias, mas quando dizia uma coisa bem pensada, aquilo servia de lição para qualquer doutor. O perfume de sua fala aromatizava qualquer ambiente. O nome dele era Alfredo, e minha mãe, para homenageá-lo, batizou-me com o nome de Alfredo Neto, e fiquei sendo o Alfredinho da família, mas para o vovô eu era o Alfredão. Ele dizia que eu nasci para ser grande.   
Certa vez vovô foi à empresa onde eu trabalhava na época, e lá me viu operando um telex. Para mim não havia segredo nenhum mexer naquela geringonça, mas para ele a coisa era diferente. Por um bom tempo ficou lá olhando para mim com a certeza de que ele nunca conseguiria fazer o que eu estava fazendo e nem manifestava interesse de fazê-lo. Fazer para quê? Seus filhos já eram independentes, o pouco que ganhava da aposentadoria era suficiente para o sustento dele e da vovó.
Vovô era daqueles que falava muito com os olhos. Percebi que enquanto eu trabalhava, ele olhava para mim como quem queria dizer muitas coisas. Assim que terminei de passar a mensagem pelo telex, pude dar mais atenção para ele. Com muita ternura aqueles olhos mansos olhavam para mim. Sentamos para tomar um cafezinho. Eu não tinha pressa, mas vovô não queria me incomodar no meu ambiente trabalho. Rapidamente ele falou comigo o que precisava e depois pediu licença para falar mais uma coisa:
– Alfredão, meu querido neto, você é muito inteligente. No meu tempo, dificilmente um jovem com sua idade tinha a inteligência que você tem.
– Não diga bobagem vovô! – rebati com um sorriso.
Ele continuou:
– Eu não estou tentando agradá-lo, falo isso com muita sinceridade.
Preferi não dizer mais nada e fiquei apenas na escuta. Ele continuou:
– Sabe, Alfredão, tem muita gente inteligente nesse mundo. O homem que inventou a bomba atômica, por exemplo, era muito inteligente.
Nessa hora eu rebati com firmeza:
– O quê!? Aquela bomba que matou milhares de japoneses em um único segundo? Vovô, perdoe-me, mas esse sujeito não tinha nada de inteligência nem aqui, nem na China e em lugar nenhum!
Mais com os olhos do que com a boca, vovô disse:
– Não, Alfredão; ele tinha inteligência sim, muita inteligência, mas infelizmente não tinha sabedoria. Você, meu neto, já recebeu de presente a inteligência, agora seja humilde para ter a sabedoria.
– Mas qual é a diferença, vovô? Não é tudo a mesma coisa? – perguntei. 
Ele respondeu:
– A inteligência é algo que vem de fora para dentro, a sabedoria vem de dentro para fora, ela é leve, é suave. Quem usa a inteligência para o bem é sábio, e quem usa a inteligência para o mal é estúpido. A inteligência é para o mundo, a sabedoria é para Deus, é para o bem da humanidade, é para o bem do próximo.
Precisa dizer mais alguma coisa? Se vovô foi ou não foi um homem inteligente, isso não me importa, mas que foi um homem sábio, disso ninguém duvida.

Vocabulário:
aromatizava: espalhava cheiro agradável;
complexo: difícil, complicado;
geringonça: coisa antiga, complicada;
telex: antigo aparelho de comunicação semelhante a uma máquina de datilografia.