Crônica da Semana - Contos de quaresma - Jejum, Esmola e Oração
Contos de
quaresma - Jejum, Esmola e Oração
Eduardo
da Silva - Teddy
Membro
da PASCOM - Paróquia Imaculada
“A oração liga-nos a Deus; a caridade, ao próximo; o jejum, a
nós mesmos.” (Papa Francisco)
O que é a Quaresma?
“Nós cristãos celebramos todo ano a festa da Páscoa: a morte e a
ressurreição de Jesus e também a nossa. É a maior de todas as festas. A mais importante…
Grande demais para ser preparada em apenas três dias ou uma semana. Por isso,
estendemos a sua preparação para quarenta dias. Daí Quaresma, período de
quarenta dias, que vai da quarta-feira de cinzas até a quinta-feira santa pela
manhã.” (Artigo da CNBB)¹
Mas esse significado profundo não fez parte da minha
infância, ao contrário, a quaresma sempre teve uma conotação popular de
folclore. Cresci no bairro de Fátima em meados dos anos 80 e a brincadeira
predileta era o pique pega ou pique ajuda, em pleno verão pós carnaval,
molecada toda na rua. Quando acabava, aqueles que ainda podiam ficar por ali,
sentavam-se na calçada e os garotos mais velhos contavam alguns contos de
assombração, suspense e terror.
Mas os contos de hoje não são de medo, são de saudosismo e reflexão. Hoje percebo o caminho percorrido da formação familiar, moral e religiosa minha e de meus dois irmãos. Na década 90, já adolescente, ingressei no grupo de jovens JFF na igreja de Fátima. Em nosso calendário anual de atividades, no tempo litúrgico da quaresma, havia o “Dia de Jejum”. Sob orientação do padre, reuníamos na sala de catequese, no domingo após a missa dos jovens, para uma forma de “jejum coletivo”. Tinha o roteiro de orações, dinâmicas, muito canto, palestra de algum convidado, como um pequeno retiro. Começava com a participação na missa das 9h e terminava por volta das 15h, estudando e vivenciando o tema quaresma, jejum, esmola e oração. A volta para casa com a experiência espiritual e física de suspender só uma refeição do almoço, em comparação aos 40 dias de Jesus no deserto.
"Em seguida, Jesus
foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio. Jejuou
quarenta dias e quarenta noites. Depois, teve fome." (Mt 4, 1-2)
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Outra experiência do tema do jejum, foi minha convivência observadora com um colega de trabalho, recém-convertido à igreja evangélica. Sem nenhuma intenção de desmerecê-lo ou julgá-lo, minha observação aguçada não deixava passar em branco. Eu percebi logo a interpretação literal da passagem bíblica do Evangelho de Mateus sobre o jejum.
Havia um dia no mês em que ele ia trabalhar sem uniforme, bem
vestido, com sapato e roupa de “ir na missa”, perfumado, barbeado e postura
toda aprumada, dava gosto de ver. Como conversávamos bastante sobre
espiritualidade e diferenças de nossas doutrinas, eu sempre soube que aquele
era o dia em que ele fazia jejum dedicado ao Senhor, mas em respeito a ele
jamais revelei que eu tinha conhecimento do fato.
"Quando jejuardes,
não tomeis um ar triste como os hipócritas, que mostram um semblante abatido
para manifestar aos homens que jejuam. Em verdade eu vos digo: já receberam
sua recompensa. Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto.
Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está
presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará.” (Mt 6,
16-18)
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Essa reflexão dos irmãos nos fez lembrar de três episódios da
infância, que remete aos temas da quaresma e que partilho aqui. Marcou nossa
formação como pessoas, cidadãos e como cristãos.
Meu pai nunca precisou dizer porque aquelas pessoas estavam
ali, jamais criticou nenhum deles para nós, não tenho memória de que ele
tivesse julgado, condenado ou menosprezado qualquer que seja. Simplesmente isso
ficou marcado na nossa formação e nunca saberemos se foi uma visita de caridade
ou de uma didática para fazer melhor as escolhas. Diga-se de passagem, uma
forma de pedagogia que nos tempos de hoje renderia diversas críticas.
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Outra feliz recordação que tivemos, bem provável no tempo da Quaresma, nosso pai nos levou também a uma visita de caridade no Abrigo Santo Antônio de Varginha, antigo orfanato da Travessa Santos Anjos, na Nossa Senhora de Lourdes aqui em Varginha. Lembro que meu pai levou algum mantimento e algumas guloseimas, como o pirulito do Zorro, sucesso da época. Era uma visita rápida, mal soltava das mãos dele de tanta timidez. Em nenhum momento tive a oportunidade de perguntar a ele o porquê dessas ações e nunca saberei. Como diz o ditado popular “A palavra convence, o exemplo arrasta”² Ou o próprio testemunho de Jesus, como o trecho da oração Eucarística VI-D que rezamos na missa: “... Com a vida e a palavra anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas.”
"Responderá o Rei: ‘Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes." (Mt 24,40)
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E nesta última partilha, me lembro da missa aos domingos às 7 horas da manhã na matriz Divino Espírito Santo. Não era toda semana que eu ia, pela pouca idade e ter de acordar tão cedo. Era um ritual que começava na noite de sábado, já separava a roupa, o calçado e a meia, o agasalho e deixava aos pés da cama para que acordando, não tivesse que fazer barulho, acender as luzes ou incomodar os outros que ainda dormiam. A lembrança é clara e vívida, caminhando ao lado do meu pai naquelas passadas largas dele e eu tão pequeno com os passinhos tão curtos tentando acompanhar. Já na igreja olhando para o altar, atrás dele o vitral com luz forte do sol que nascia aos poucos. Terminada a missa, quase como um prêmio pelo empenho em acordar cedo, ele me levava no mercado municipal para comer pastel e tomar chocolate quente no box do Sr. Lourenço Meneguci.
"Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará. Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força de palavras. Não os imiteis, porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós lho peçais. Eis como deveis rezar: PAI NOSSO, que estais no céu, santificado seja o vosso nome..." (Mt 6,6-9)
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Trecho da homilia do Papa Francisco
“A esmola, a oração e o jejum reconduzem-nos às únicas três realidades que não se dissipam. A oração liga-nos a Deus; a caridade, ao próximo; o jejum, a nós mesmos. Deus, os irmãos, a minha vida: tais são as realidades, que não acabam em nada e sobre as quais é preciso investir. Eis para onde nos convida a olhar a Quaresma: para o Alto, com a oração, que liberta duma vida horizontal e rastejante, onde se encontra tempo para si próprio, mas se esquece Deus. E depois para o outro, com a caridade, que liberta da nulidade do ter, de pensar que as coisas estão bem se para mim correm bem. Por último, convida-nos a olhar para dentro de nós mesmos, com o jejum, que liberta do apego às coisas, do mundanismo que anestesia o coração. Oração, caridade, jejum: três investimentos num tesouro que dura. (Santa Missa de 6 de março de 2019, homilia do Papa Francisco)”.
Referências:
¹ O que é quaresma? https://www.cnbb.org.br/o-que-e-a-quaresma/
² Frase atribuída a Confúcio.
As obras de misericórdia
corporais: visitar os presos:
https://santuario.cancaonova.com/artigos-religiosos/obras-de-misericordia-corporais-visitar-os-presos/
Santa Missa de 6 de março de
2019, homilia do Papa Francisco: