02/09 - Primeira Audiência Pública do Papa desde o inicio da Pandemia: A solidariedade é o caminho para sair melhores da crise
Papa: a solidariedade é o caminho para sair melhores da
crise
"Uma
solidariedade guiada pela fé nos permite traduzir o amor de Deus em nossa
cultura globalizada, não construindo torres ou muros que dividem e depois
desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento
verdadeiramente humanos e sólidos."
Jackson Erpen
- Vatican News
“Ou
seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou as coisas irão piorar.
Quero repetir: de uma crise não se sai como antes. A pandemia é uma crise. De
uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é
precisamente o caminho para sair melhores da crise”.
Não
na Biblioteca do Palácio Apostólico como vinha sendo realizada desde março
devido à pandemia, mas no Pátio São Dâmaso, que costuma testemunhar o juramento
dos novos recrutas da Guarda Suíça e a chegada de presidentes acompanhados de
suas delegações.
A
alegria do reencontro
Na primeira Audiência pública desde o início
da pandemia (a última com presença de público foi em 27 de fevereiro),
Francisco demonstrava alegria pelo reencontro com os fiéis, que tiveram a
oportunidade de acessar o local entrando pela Porta de Bronze. Algo inédito até
então. Logo ao descer do automóvel sob
aplausos, o Santo Padre, mantendo o distanciamento social, conversou com vários
fiéis que se aglomeravam junto às divisórias, usando máscaras. Um dos momentos
tocantes deste reencontro, foi quando um sacerdote libanês lhe apresentou uma
bandeira do País dos Cedros. Ele segurou-a, beijou-a, fazendo uma oração pelo
país abalado pela explosão no porto de Beirute e por uma grave crise
político-econômica.
“Depois
de tantos meses retomamos nosso encontro face a face, e não ‘tela a tela’, mas
face a face”, disse o Papa com alegria ao iniciar sua catequese, sendo
aplaudido pelos presentes.
E
foi a eles – e a quem o acompanhava pelos meios de comunicação - que o
Pontífice dedicou a quinta catequese da série “Curar o mundo”, intitulada “A
solidariedade e a virtude da fé”.
Sair
da crise, juntos
“A atual pandemia – começou dizendo
Francisco - pôs em evidência a nossa
interdependência: estamos todos ligados uns aos outros, tanto no mal como no
bem. Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo
juntos, juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos
ou não se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de
sublinhar esta palavra, solidariedade”.
“[
Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos,
juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos ou não
se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de
sublinhar esta palavra, solidariedade.]”
“Como
família humana - explicou - temos uma origem comum em Deus; vivemos em uma casa
comum, o planeta-jardim no qual Deus nos colocou; e temos um destino comum em
Cristo. Mas quando esquecemos tudo isso – chamou a atenção - nossa
interdependência torna-se a dependência de uns em relação aos outros”,
aumentando a desigualdade e a marginalização; o tecido social se enfraquece e o
meio ambiente se deteriora.
Neste
sentido, como ensinado por São João Paulo II na Encíclica Sollicitudo rei
socialis, o princípio de solidariedade torna-se mais do que nunca necessário,
pois mesmo vivendo numa mesma “aldeia global”, onde tudo está interligado, nem
sempre transformamos em solidariedade esta interdependência. “Há um longo
caminho entre a interdependência e a solidariedade: os egoísmos – sejam
individuais, nacionais e dos grupos de poder – e as rigidezes ideológicas,
alimentam «estruturas de pecado»”.
Solidariedade
é bem mais que simples generosidade
A palavra “solidariedade” – sublinhou
Francisco – “significa muito mais do que alguns atos esporádicos de
generosidade, é muito mais, supõe a criação de uma nova mentalidade que pense
em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos
bens por parte de alguns. Isso significa solidariedade. Não é só questão de
ajudar os outros, isso é muito bom fazer, mas é mais. Trata-se de justiça”. E
para ser solidária, dar frutos, a interdependência “tem necessidade de fortes
raízes no humano e na natureza criada por Deus, tem necessidade de respeito
pelos rostos e pela terra”.
O
Pontífice recorda então as advertências da Bíblia desde o início, citando para
tal a Torre de Babel, narrada no Livro do Gênesis, que descreve o que acontece
quando buscamos alcançar o céu – nossa meta – ignorando a ligação com o humano,
com a criação e com o Criador. Isso acontece cada vez que alguém quer subir,
subir, subir, sem levar em consideração os outros:
“Construímos
torres e arranha-céus, mas destruímos a comunidade. Unificamos edifícios e
línguas, mas mortificamos a riqueza cultural. Queremos ser senhores da Terra,
mas arruinamos a biodiversidade e o equilíbrio ecológico.”
Criar
raízes no Pentecostes para confrontar a "Síndrome de Babel"
Para ilustrar esta “síndrome de Babel”, fala
de um conto medieval em que, durante a construção de uma torre”, ninguém se
lamentava se caía e morria um homem, mas sim se caía um tijolo, pois custava e
demandava tempo e trabalho para fazê-lo:
“Um
tijolo valia mais que uma vida humana. Cada um de nós pense noq eu acontece
hoje. Infelizmente, algo semelhante pode acontecer também hoje. Alguma queda no
mercado financeiro – vimos isso nos jornais nestes dias - é notícia em todas as
agências. Milhares de pessoas caem por causa da fome, da miséria, e ninguém
fala nisso.”
Neste
sentido, para não repetirmos o drama da Torre de Babel, que só gerou ruptura e
destruição em todos os níveis, o Senhor nos convida a criar raízes no evento de
Pentecostes, que descendo do alto como vento e fogo sobre a comunidade reunida
no cenáculo, “infunde sobre eles a força de Deus, os impele a sair e a anunciar
a todos Jesus Senhor”:
O
Espírito cria unidade na diversidade, cria harmonia. O outro não é um mero
instrumento, mera “força de trabalho”, mas participa com tudo de si na
construção da comunidade. São Francisco de Assis bem o sabia e animado pelo
Espírito deu a todas as pessoas, ou melhor, a todas as criaturas, o nome de
irmão ou irmã.
Solidariedade
tem "anticorpos" para doença do individualismo
No Espírito Santo – enfatiza o Papa - Deus se faz presente com a força do seu
Espírito Santo, que inspira a fé da comunidade unida na diversidade e na
solidariedade:
“Uma
diversidade solidária possui os “anticorpos” para que a singularidade de cada
um – que é um dom, único e irrepetível – não adoeça com o individualismo, com o
egoísmo. A diversidade solidária também possui os anticorpos para curar
estruturas e processos sociais que se degeneraram em sistemas de injustiça, em
sistemas de opressão. Portanto, a solidariedade hoje é o caminho a percorrer em
direção a um mundo pós-pandemia, para a cura de nossas doenças interpessoais e
sociais. Não há outro. Ou seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou
as coisas irão piorar. Quero repetir: de uma crise não sai como antes. A
pandemia é uma crise. De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher.
E a solidariedade é precisamente o caminho para sair melhores da crise, não com
mudanças superficiais, com uma pintura por cima e tudo está bem. Não.
Melhores!”
Eu
penso nas necessidades dos outros?
“Em meio a crises, uma solidariedade guiada
pela fé nos permite traduzir o amor de Deus em nossa cultura globalizada, não
construindo torres ou muros – e quantos muros estão sendo construídos hoje -
que dividem, mas depois desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos
de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos. E para isso ajuda a
solidariedade.”
“Eu
faço uma pergunta: eu penso nas necessidades dos outros? Cada um responda em
seu coração.”
Em
meio a crises e tempestades – disse o Papa ao concluir - o Senhor nos interpela e nos convida a
despertar e ativar essa solidariedade capaz de dar solidez, sustentação e um
sentido a essas horas em que tudo parece naufragar. Que a criatividade do
Espírito Santo nos encoraje a gerar novas formas de familiar hospitalidade, de
fecunda fraternidade e de universal solidariedade.
Fonte:https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-09/papa-francisco-audiencia-geral-2-setembro-2020.html