Crônica da Semana - O Céu é para todos
O CÉU É PARA TODOS
Domingos Antônio de Almeida
Todo trabalho honesto é digno e é
abençoado por Deus. Se por inocência, ingenuidade, ignorância, uma pessoa
desempenhar um trabalho “sujo” acreditando que aquilo que ela faz não é errado,
pela misericórdia de Deus esta pessoa será perdoada.
Há muitos anos, passeando pela zona
rural, parei em um comércio para tomar um refrigerante. O proprietário, muito
educado, me pareceu ser uma pessoa profissionalmente honesta, correta.
Posteriormente vim saber que de fato ele era correto em seus negócios, era um
homem de palavra. Ficamos amigos.
Para mim a casa ampla onde ele
morava e trabalhava era uma casa como qualquer outra na zona rural. Como fui
bem recebido, sempre que podia, eu passava por lá para um dedo de prosa. Naquela
rica terra se produzia frutas, verduras e legumes em boa quantidade, eu nunca
saía de lá com as mãos vazias. Meu amigo sempre me dizia que o local não estava
bom, mas que com alguns investimentos tudo iria melhorar. E eu me perguntava,
melhorar o que mais se o local já parecia ser tão bom.
Certa vez prometi que voltaria lá
junto com minha mulher e meus filhos. Diferente do que eu esperava, em vez de ficar
feliz, ele ficou nitidamente desconcertado. Como eu não entendi as razões de
tanto desconcerto, achei por bem voltar sem a companhia da família. Meu amigo
estava conversando com um vendedor de bebidas. Tratavam de negócios futuros. Na
conversa entre os dois, meu amigo disse: “Está para chegar umas meninas novas
aqui, eu tenho fé em Deus que as coisas vão melhorar muito. Deus há de me
ajudar, e melhorando para mim, melhorara para você, melhora para todo mundo que
depende daqui.”
Ouvidas essas palavras, só aí é que
vim saber que naquele local funcionava uma casa de prostituição que era
coordenada pelo meu recente amigo. Sem palavras e sem ação, comecei a refletir
as palavras daquele homem. O que Deus fará por este local? Deus ama os santos e
pecadores, Deus ama as prostitutas. Deus sabe por que alguém se prostitui. Só
aí, claro, é que entendi por que aquele homem ficou tão desconcertado quando eu
disse que iria visitá-lo com minha família.
Sem entusiasmo, passados alguns
dias, voltei ao local, afinal, lá eu era bem recebido. A primeira coisa que eu
quis saber era se meu amigo tinha recebido as garotas prometidas. A tristeza
dele foi minha alegria, graças a Deus não apareceu nenhuma garota nova por lá.
Ao me aproximar mais da casa, percebi que meu amigo não estava sozinho, tinha
uma pobre moça no quarto prostrada em uma cama. Não só parecia como ela estava
muito doente, tossia muito, muito mesmo. Perguntei ao meu amigo o que ela
tinha, ele não soube explicar direito e disse que ela não queria ir ao médico. Vendo
a moça, eu disse que aquilo já não era uma questão de querer, ela precisava de
atendimento urgente. Num mal-estar quase que inconsciente, ela dizia: “Se Deus
quiser, não há de ser nada, eu vou ficar boa.” Como eu estava a caminho do
trabalho, eu não podia ficar mais tempo lá, mas saí recomendando ao meu amigo
que tomasse providências em relação à moça. Voltando do trabalho, fiquei
sabendo que a pobre filha de Deus tinha sido internada, mas não resistiu e
morreu poucas horas depois. Como
as pessoas brincam, passados mais alguns dias, tive mais duas notícias, uma boa
e uma ruim. A notícia boa é que a casa de prostituição, que, felizmente estava
sem movimento, fechou definitivamente, e a ruim foi que meu amigo tinha
morrido. Sabendo de sua morte, lembrei-me da morte da moça. Eu não tive dúvida
de que, pela misericórdia de Deus, ambos foram salvos, estão no céu. Eles
acreditavam em Deus. Para eles provavelmente o errado fosse o certo. Eu
acredito em Deus, e para mim, o errado é errado? O certo é certo?