Crônica da semana - A lei que liberta é a mesma lei que oprime.

A lei que liberta é a mesma lei que oprime.

Eduardo da Silva - Teddy

Membro da PASCOM - Paróquia Imaculada

 

“Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22, 21)

 

Gosto muito desta frase. É mais um dos versículos clássicos, fácil de decorar e repetir, quando nos é conveniente ou para mostrar conhecimento bíblico. Gosto dessas repetições bíblicas porque me aguçam a aprofundar e partilhar experiências de comunidade. Portanto “Dai a César o que é de César…” é bastante explícito e dispensa explicações. Mas “... e (dai) a Deus o que é de Deus” provoca uma reflexão de fé madura.

O que realmente é de Deus? Ir à missa aos domingos? Rezar antes de dormir? Participar da pastoral ou do setor missionário? Confessar-se ao menos uma vez por ano ou doar dízimo? Poderia citar os Dez Mandamentos da Lei de Deus e os Cinco Mandamentos da Igreja.

É curioso mencionar a Lei de Deus. A lei que liberta o ser humano é a mesma lei que maldosamente se usa para sufocar o próximo. No Evangelho aquele que faz a pergunta a Jesus é um provocador. Em alguns momentos os provocadores usam a lei dos judeus para fazer Jesus cair em contradição, mas nesta passagem a provocação é sobre a lei dos homens. Usar a lei para oprimir as pessoas é mais comum do que pensamos!

Jesus pergunta: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?” (Mt 22, 20) A moeda com a figura de César era o símbolo da opressão política. A cobrança de impostos era imposta, por isso tem este nome, imposto, ou seja, aquilo que não é voluntário, mas obrigatório, exigido inclusive de um pai de família que não tivesse o que comer. A opressão política do poderoso e temido imperador romano Júlio César punia com severidade quem discordasse do pagamento de impostos. Usar a lei de Deus ou dos homens para sufocar as pessoas é uma prática antiga dos tiranos para se manter no poder.

A resposta de Jesus foi inteligente e luminosa, e deixou visível a artimanha dos fariseus. Nos tempos de hoje e na gíria das redes sociais, se diria que Jesus lacrou em sua resposta. Lacrou ou lacração, para quem não sabe, dentre alguns significados, é uma resposta bem dada, de forma que o interlocutor não consegue replicar. Infelizmente, na maioria das vezes, a lacração não tem esse lado positivo nas redes sociais. Geralmente é para humilhar e diminuir o outro, para sufocar e reprimir aquele que pensa diferente. É uma forma de arrogância discutir para ter razão e se considerar o “sabe-tudo” da internet. Nesse caso o objetivo de lacrar não é crescer com diálogo, é diminuir o outro desejando para si ser o maioral. Perdemos assim a capacidade de debate inteligente e a prática do diálogo, reduzindo aos poucos o pensamento crítico.

Nas redes sociais se instaurou um ambiente para proselitismo religioso. As pessoas se colocam como superiores aos outros. De acordo com o artigo de Dom Orlando Brandes, é uma patologia religiosa. “O proselitismo é a manobra, a tática para conquistar fiéis com propaganda religiosa à custa de condenações de outras religiões e de artimanhas para atrair adeptos. O proselitismo consiste em rebaixar, ridicularizar, combater as outras religiões, colocando-se (o proselitista) numa situação de superioridade e vantagem. O proselitismo é antiético, interesseiro, sectário.”¹

Como vimos, pode haver maldade na pergunta e maldade na resposta. Eu incentivo exercitar um pouco mais o senso crítico, imaginando...

O que o provocador sabe-tudo da internet perguntaria a Jesus? Jesus, o Senhor é a favor do aborto? O nazismo foi de esquerda ou de direita? Mestre, esta pandemia realmente existe? Devemos aceitar a imposição das autoridades?

Proponho hoje uma reflexão, não sobre o conteúdo das perguntas, mas sobre a maldade oculta nas perguntas e nas possíveis respostas. Perguntas essas para desconcertar, para intimidar e para testar nosso próximo quanto às leis dos homens e à insignificante lei dos sabe-tudo da internet.

Por fim, “... e a Deus o que é de Deus”. É ajudar o irmão a crescer no conhecimento e na fé, isso é partilhar. É apresentar ao próximo a Lei de Deus que liberta, ela não oprime e nem castiga. É expor a lei da generosidade que alivia o fardo das costas. Devolver a Deus o que é de Deus é viver diariamente a solidariedade, caridade e generosidade. Só assim seremos livres, para escolher as coisas de Deus, no mundo da lei dos homens!

 

¹Dom Orlando Brandes; PATOLOGIAS RELIGIOSAS; disponível em https://www.cnbb.org.br/patologias-religiosas/. Acesso em: 07 out.2020.