Crônica da Semana - A QUARESMA MUDOU?
A QUARESMA MUDOU?
A
Quaresma não mudou. Felizmente o que mudou foi a consciência das pessoas...
- Domingos Almeida -
Quando
criança, eu ouvia muita coisa sobre a Quaresma, coisas boas, coisas estranhas,
coisas engraçadas, e outras que davam medo. Na simplicidade de minha mãe, ela
tentava explicar, do seu jeito, os valores e crendices relativos a esse período
da Igreja. Os vizinhos também tinham suas explicações e costumes. Certo ou
errado, cada um, a seu modo, tinha uma maneira de viver o tempo quaresmal.
Minha mãe dizia que não podíamos falar alto, porque Jesus estava rezando e não
podia ser incomodado. Dona Rita dizia que quem dançasse, estaria dançando com o
capeta. O coronel Antônio falava para os meninos que cada pedra jogada em um
passarinho acertava em Jesus. O Chico Violeiro desafinava o violão, punha num
saco e guardava para o capeta não tocar. De todas as crendices e superstições,
a que me dava mais medo era a teoria do meu pai, ele dizia que durante a
Quaresma o capeta saia pelas ruas e casas marcando as pessoas que iriam para o
inferno. Devíamos rezar e fazer jejum para não sermos condenados ao fogo eterno.
Para meu alívio, ao mesmo tempo meu pai dizia: “O diabo não tem nenhum poder, somente Deus é poderoso. Nada de mal
acontece com quem estiver agarrado na mão de Deus.”
Na
minha inocência, minha mente criava cenas desses acontecimentos. Que horror! Até
as coisas que pareciam engraçadas, na minha cabeça não tinham graça nenhuma.
Por aí dá para se ver que as pessoas viviam um tipo de crença que em vez de
aliviar, ameaçava; em vez de libertar, aprisionava.
Ainda
criança, no meu tempo de coroinha, eu tive a oportunidade de conversar bastante
com um amigo, o Padre Valdir. Falei com ele sobre todas essas crendices citadas
acima e muitas outras. Com muito jeito, ele tirou da minha cabeça todos os
fantasmas relacionados à Quaresma. Quando me achei preparado, conversei com
minha mãe sobre as coisas que o padre tinha me falado. Ela ouviu e demonstrou
certo alívio.
Para
crescimento de muitos, na missa de Quarta-Feira de Cinzas daquele ano, talvez
em função de minha conversa com o padre, ele fez uma brilhante pregação e muita
gente mudou a visão errada que tinha da Quaresma. Eis algumas falas do
pregador:
“Não
adianta nada ficar a Quaresma toda sem tomar bebida alcoólica e no Sábado de
Aleluia encher a cara e ficar bêbado.”
“Jesus
não precisa de reza, quem precisa rezar somos nós. Rezemos na Quaresma, e
depois que ela terminar, é necessário continuarmos rezando.”
“Se
você fica o ano todo sem comer peixe; por que você tem que comer bacalhau
exatamente na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira da Paixão, que são dias
de jejum e penitência?”
“Se
você fez penitência de não fumar na Quaresma, aproveite e pare de fumar
definitivamente.”
“O que
adianta esconder a viola ou o violão num saco e não rezar nem uma Ave-Maria
durante a Quaresma?”
Para
satisfação do meu pai, e minha, claro!, Padre Valdir terminou a pregação mais
ou menos assim:
“Tem
gente que na Quaresma fica mais preocupado em fugir do diabo do que se
aproximar de Deus. Eu estou aqui para falar de Deus, e não do capeta, mas quero
dizer o seguinte, esse bicho não tem poder nenhum, só Deus é poderoso, nenhum
mal atinge aqueles que seguram na mão de Deus.”
A
Quaresma não mudou. Felizmente o que mudou foi a consciência das pessoas que
fazem desse período um tempo de reflexão e renovação de propósitos para servir
a Deus.