Crônica da Semana - Miséria Partilhada
MISÉRIA PARTILHADA
- Domingos
Antônio de Almeida -
Hoje,
graças a Deus, eu sou pobre!
Agosto
chegou. Que me desculpem os supersticiosos, mas ouço falarem tantas bobagens
sobre o mês de agosto. Espere, farei uma correção, vou mudar o início do texto.
Agosto
chegou. Eu desculpo todos os supersticiosos, pois ouço falarem tantas bobagens
sobre o mês de agosto, e, no entanto, é um mês riquíssimo de celebrações na
nossa Igreja. É o Mês das Vocações, vocação sacerdotal, familiar, religiosa e
leiga.
No
primeiro domingo de agosto meditamos o Evangelho da multiplicação dos pães.
Jesus estava em um barco e, “ao sair dele, avistou uma grande multidão.
Encheu-se de compaixão e curou os que estavam doentes”. Jesus compadeceu-se das
pessoas abandonadas, sozinhas, desprotegidas, feridas, maltratadas, famintas; e
se propôs ajudá-las do jeito certo, e nesse jeito acontece o milagre da
multiplicação dos pães e dos peixes.
O
que foi o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes? Eu particularmente
sou um matuto, humano, pecador, e não teria autoridade nenhuma para mudar uma
vírgula sequer da Bíblia. Ainda mais que a presença ou a ausência de uma
vírgula é capaz de comprometer um texto inteiro. Bom, mas eu penso que se no
lugar de “o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes” nós disséssemos “o
milagre da partilha”, não estaria errado. “Milagre da partilha”? Sim, “milagre
da partilha”!
Eu
explico. No Evangelho diz que havia uma multidão que estava seguindo Jesus. Já
era tarde e não havia comida para essas pessoas. A informação é que só tinham
cinco pães e dois peixes. Jesus pegou os pães e os peixes e transformou-os em
uma quantidade suficiente de alimento capaz de matar a fome de toda aquela
multidão. O poder de Jesus é ilimitado, fazer surgir pão de outro pão, ou fazer
surgir pão do nada, para Ele isso seria algo muito fácil. Jesus, ao distribuir
os pães e os peixes, Ele estava propondo que aquelas pessoas partilhassem entre
elas o pouco que cada uma tinha. Na matemática de Deus o que é dividido aumenta
e ainda sobra, e nesse caso o pouco de cada um, ao ser partilhado,
transformou-se no suficiente para matar a fome de todos. Não é difícil
compreender isso, citarei dois exemplos. Nos encontros da
Igreja
é comum pedir que cada família leve algo para se fazer um lanche comunitário.
Sempre que isso ocorre, testemunhamos uma mesa farta em que todos comem, nada
falta e ainda sobra alguma coisa, sem desperdício, claro.
O
próximo exemplo, um pouco mais extenso, por alguns anos esteve dentro de minha
casa.
Hoje,
graças a Deus, eu sou pobre. Na infância eu era miserável. Miserável? Sim, sem
exagero, miserável. Calcei meu primeiro sapato aos oito anos de idade, o
segundo eu herdei de um amigo que morreu precocemente, vítima de um afogamento.
Falo desse amigo não pelo sapato, mas porque sua morte me causou profunda
tristeza, e muitas vezes dividi minha miséria com ele. Roupa, eu tinha duas
trocas, uma para ficar em casa e outra para ir à escola e à missa. Para dar um
pouco de deleite aos filhos, às vezes, aos domingos, minha mãe comprava uma
garrafa de refrigerante de 600 ml e dividia entre a família. Não muito raro,
para que sobrasse mais para oito filhos, mamãe se abstinha daquele líquido tão
saboroso. Também não muito raro, era comum a presença de uma ou mais crianças
na minha casa, e nesse caso o pouco ou o quase nada que tínhamos era partilhado
com a visita. O amigo de infância que morreu afogado era presença certa.
O
ponto alto aqui não é a morte de uma criança e nem a extrema pobreza vivida por
minha família, o ponto alto é o espírito de partilha que meus pais demonstravam
a mim e meus irmãos. A necessidade era grande, o que tínhamos era pouco, muito
pouco ou quase nada, mas esse muito pouco nunca foi impedimento para que
houvesse partilha dentro de minha casa, e partilha com aqueles que não eram da
família, mas que, segundo meu pai, eram nossos irmãos.
Meus
pais faziam valer dois ditados populares: Primeiro: “Ninguém é tão rico que não
precise de nada.” Segundo: “Ninguém é tão pobre que não tenha algo para
oferecer.” Minha família se enquadrava no segundo.
Vocabulário
Abstinha: abria mão de alguma
coisa, deixar de ter.
Deleite: satisfação, alegria,
prazer.