Informação Especial - 01/12 - Os Papas e a piedade popular: a fé dos simples recurso da Igreja
Os Papas e a piedade popular: a fé dos simples recurso da
Igreja
Papa Francisco na igreja de São Marcelo al Corso (Vatican Media)
A
piedade popular no magistério dos Pontífices de Paulo VI a Francisco. Para
Paulo VI "a piedade popular manifesta uma sede de Deus que só os simples e
os pobres podem conhecer"
- Alessandro Gisotti -
O
Papa caminha sozinho, com passo lento e cansado, em uma rua central de Roma
para ir à igreja de São Marcelo al Corso, onde está conservado um Crucifixo de
madeira do século XIV, considerado milagroso por gerações de romanos. Ninguém o
espera nas ruas ou o cumprimenta no caminho, apenas alguns agentes da Gendarmaria
vaticana o acompanham. Uma "procissão" solitária com uma
extraordinária força simbólica. Passam alguns dias. O Papa à noite, sob um céu
de chumbo, reza em uma Praça de São Pedro vazia: a pequena figura branca se
destaca em um espaço que parece surreal. Com ele, somente aquele Crucifixo que
tinha venerado alguns dias antes e o ícone mariano Salus Populi Romani, que
acompanha a vida do povo da cidade há séculos. Entre as imagens que nos são
dadas neste período dramático que estamos vivendo por causa da pandemia, estas
duas certamente permanecerão gravados na memória de milhões de pessoas.
Para
Francisco, a devoção popular é um ato de evangelização
Observa-se
que os dois momentos, tão intensos espiritualmente, estão ligados à devoções
populares que caracterizam o Papa Francisco, o Bispo de Roma, que como primeiro
ato público após sua eleição foi prestar homenagem à Mãe, na Basílica de Santa
Maria Maior, e retorna sempre por ocasião das suas viagens apostólicas. Uma
devoção que vem de longe. Jorge Mario Bergoglio, de fato, desde seus anos de
ministério episcopal em Buenos Aires sempre valorizou a devoção dos simples.
Para o futuro Papa, caminhar junto com o Povo de Deus em direção aos Santuários
- entre eles o da Virgem de Luján - sempre foi uma forma privilegiada de
assumir o cheiro das ovelhas que todo bom pastor deve ter. Esta caminhada com o
povo para participar das manifestações de piedade popular é, na experiência de
Bergoglio, tanto um ato de evangelização quanto um impulso missionário.
A
Conferência de Aparecida do Episcopado Latino-americano, da qual nasceu um
Documento sobre discipulado e missionariedade, essencial para compreender a
ação pastoral de Francisco, foi realizada em um santuário mariano. Os que
tiveram o privilégio de estar presente naqueles dias, em maio de 2007, em
Aparecida - "um momento de graça", nas palavras do Papa - recordam
que o trabalho dos bispos se realizou num espaço situado sob o santuário
brasileiro. Os pastores, portanto, rezavam e se confrontavam acompanhados pelas
canções dos fiéis. Essa assembleia, vivida em primeira pessoa pelo então
Cardeal Bergoglio, ressoa nas páginas da Evangelii gaudium, dedicada à piedade
popular. Suas diversas expressões, escreve o Pontífice, "têm muito a nos
ensinar e, para os que podem lê-las, são um lugar teológico ao qual devemos
prestar atenção". A fé precisa de símbolos e afetos, precisa estar
entrelaçada com a vida vivida, não pode ser limitada a um exercício
intelectual. A piedade popular, chegou a dizer Francisco com uma imagem eficaz,
"é o sistema imunológico da Igreja".
Paulo
VI e a redescoberta da piedade popular
Também
sobre o tema da devoção popular, como sobre outras questões fundamentais, a
Evangelii gaudium recorda a Exortação Apostólica de São Paulo VI, Evangelii
nuntiandi. Foi precisamente o Papa Paulo VI, que desde o Concílio Vaticano II
deu um novo impulso à devoção popular e, sobretudo, "a defendeu" da
frieza, e às vezes da desconfiança, com a qual era vista em alguns círculos
católicos. Na Exortação Apostólica citada, que se segue ao Sínodo de 1974
dedicado à evangelização, o Papa Montini dedica um número inteiro, 48, à
religiosidade do povo, observando que, neste ponto, toca-se em "um aspecto
da evangelização que não pode nos deixar indiferentes". A Evangelii
nuntiandi adverte contra certas distorções que desviaram a devoção popular à
lógica da superstição, mas observa que as expressões da religiosidade devem ser
redescobertas como formas privilegiadas de evangelização. A piedade popular,
escreve Paulo VI, manifesta "uma sede de Deus que só os simples e os
pobres podem conhecer".
João
Paulo II: devoção mariana no centro do Pontificado
Esta
redescoberta da piedade popular foi desenvolvida e colocada em evidência, no
centro do Pontificado, por São João Paulo II. Filho da Polônia que, graças
também à devoção popular e em particular à Nossa Senhora, resistiu primeiro às
ditaduras nazistas e depois comunistas. Karol Wojtyła "traz a Roma"
esta dimensão popular do cristianismo que, em seus gestos como em seu Magistério,
é essencial. Ela expressa a catolicidade, a universalidade da Igreja e, ao
mesmo tempo, a inculturação do Evangelho em uma comunidade nacional específica.
A devoção popular também se torna o fio condutor das mais de cem viagens
apostólicas ao redor do mundo, nas quais nunca faltaram um momento de oração em
um santuário ou um gesto de atenção às raízes espirituais do país visitado.
João Paulo II é também responsável pela publicação, em 2002, do Diretório sobre
Piedade Popular e Liturgia pela Congregação para o Culto Divino.
Com
o Papa que inscreveu em seu brasão episcopal sua entrega a Maria,
definitivamente foi superado o desprezo das elites que consideram a
religiosidade popular como uma manifestação de fé superficial e impura. Ao
invés, para João Paulo II, é autenticamente popular "uma fé profundamente
enraizada em uma determinada cultura, imersa tanto nas fibras do coração quanto
nas ideias e, sobretudo, amplamente compartilhada por todo um povo". Como
observou o Cardeal polonês Stanislaw Ryłko, arcipreste da Basílica de Santa
Maria Maior, o pontificado do Papa João Paulo II "contribuiu para libertar
a religiosidade popular do rótulo de resíduo em extinção" conotando-a
"como um extraordinário recurso espiritual para a Igreja de hoje".
Bento
XVI: a devoção do povo como patrimônio da Igreja
Bento
XVI segue com a mesma convicção de seus antecessores, que já em seus longos
anos como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé considerava
positivamente as expressões de piedade popular. Isto também pode ser visto no
Catecismo da Igreja Católica, do qual Joseph Ratzinger foi o principal autor
por desejo de João Paulo II. Certamente - como no caso de seu predecessor
polonês e seu sucessor argentino - esta sua atitude favorável foi influenciada
pela sua experiência de infância na Baviera quando - junto com sua família e em
particular seu irmão Georg, recentemente falecido - participava de
peregrinações e outros eventos de religiosidade popular. Portanto, não é
surpreendente que ao se tornar Papa, tenha destacado em várias ocasiões que
"a piedade popular é um grande patrimônio da Igreja" e a demonstrou
concretamente fazendo-se peregrino em numerosos santuários marianos na Itália e
nos países visitados em suas 24 viagens internacionais.
Este
tema voltou com frequência nos ensinamentos de Bento XVI, especialmente no
tradicional diálogo com os sacerdotes da diocese de Roma. Para eles, Bento XVI
pediu para não falarem mal das práticas devocionais ou considerá-las
prejudiciais, ao contrário, para assumi-las e explicá-las adequadamente ao Povo
de Deus. Portanto, ao se encontrar com a Pontifícia Comissão para a América
Latina em 2011, destacou pontos que mais tarde seriam retomados pelo Papa
Francisco. Para ambos, de fato, a piedade popular não pode ser considerada um
aspecto secundário da vida cristã, pois na oração simples do povo ela cria
"um espaço de encontro com Jesus Cristo e uma forma de expressar a fé da
Igreja".
Fonte:https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-12/papas-piedade-popular-recurso-igreja.html