Informação Especial - 21/12 - Papa à Cúria: o conflito divide a Igreja, a crise a purifica
Papa à Cúria: o conflito divide a Igreja, a
crise a purifica
Papa em audiência à Curia Romana |
A crise provocada pela pandemia foi a ocasião para o Papa analisar os desafios que a Igreja enfrenta e o fez em audiência aos membros da Cúria Romana para os votos de Natal: "Amados irmãos e irmãs, conservemos uma grande paz e serenidade, plenamente conscientes de que todos nós, a começar por mim, somos apenas 'servos inúteis'".
Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano
Colaboração generosa e apaixonada: o Papa
Francisco pediu um presente de Natal aos membros da Cúria Romana, ao recebê-los
em audiência esta segunda-feira para as tradicionais felicitações natalinas.
O discurso do Pontífice foi dedicado a analisar
a crise provocada pela pandemia e suas repercussões na sociedade, mas,
sobretudo, na Igreja.
Francisco recordou o memóravel 27 de março
passado, quando a Praça estava aparentemente vazia, mas, na realidade, “estava
cheia graças à pertença fraterna que nos acomuna nos vários cantos da terra”.
Esta mesma fraternidade o levou a escrever a encíclica “Fratelli tutti”, para
que este princípio se torne um anseio mundial.
A crise que estamos vivendo é um tempo de
graça, afirma o Papa citando alguns episódios narrados na Bíblia: desde crise
de Abraão até a “mais eloquente”, que é a de Jesus, e a “crise extrema na
cruz”, que abre o caminho da ressurreição.
Ler a crise à luz do Evangelho
Francisco reconhece as muitas pessoas na Cúria
que dão testemunho com o seu trabalho humilde, discreto, silencioso, leal,
profissional, honesto.
Mas há também problemas, com a única diferença
de que estes “vão parar imediatamente aos jornais, enquanto os sinais de esperança
fazem notícia só depois de muito tempo e… nem sempre”.
Esta reflexão sobre a crise, prossegue, alerta
para não julgarmos precipitadamente a Igreja com base nos escândalos de ontem e
de hoje. Quem não olha a crise à luz do Evangelho, afirma o Papa, limita-se a
fazer a autópsia de um cadáver.
“Estamos assustados com a crise não só porque
nos esquecemos de a avaliar como o Evangelho nos convida a fazê-lo, mas também
porque olvidamos que o Evangelho é o primeiro a colocar-nos em crise.”
É preciso reencontrar a coragem e a humildade
de dizer em voz alta que o tempo da crise é um tempo do Espírito. E junto do
Menino deitado numa manjedoura, bem como na presença do homem crucificado, “só
encontramos o lugar certo se nos apresentarmos desarmados, humildes,
essenciais”.
A crise é positiva, o conflito corrói
Francisco faz também uma distinção entre crise
e conflito.
“A crise geralmente tem um desfecho positivo,
enquanto o conflito cria sempre um contraste, uma competição, um antagonismo
aparentemente sem solução, entre sujeitos que se dividem em amigos a amar e
inimigos a combater, com a consequente vitória de uma das partes.”
A lógica do conflito sempre busca os “culpados”
a estigmatizar e desprezar e os “justos” a justificar. Isso favorece o
crescimento ou a afirmação de certas atitudes elitistas e de “grupos fechados”
que promovem lógicas restritivas e parciais.
“Lida com as categorias de conflito – direita e
esquerda, progressista e tradicionalista –, a Igreja divide-se, polariza-se,
perverte-se e atraiçoa a sua verdadeira natureza: é um Corpo perenemente em
crise.”
Um Corpo em conflito produz vencedores e
vencidos, temor, rigidez, falta de sinodalidade. Já a novidade introduzida pela
crise desejada pelo Espírito nunca é uma novidade em contraposição ao antigo,
mas uma novidade que germina do antigo e o torna sempre fecundo.
O Papa exemplifica este conceito com uma frase
de Jesus: "Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só;
mas, se morrer, dá muito fruto". "Só morrendo para uma certa
mentalidade é que conseguiremos também abrir espaço à novidade que o Espírito
suscita constantemente no coração da Igreja."
Crise exige atualização
Francisco recorda que a "Igreja é sempre
um vaso de barro, precioso pelo que contém e não pelo que às vezes mostra de si
mesma".
"Temos de esforçar-nos por que a nossa
fragilidade não se torne obstáculo ao anúncio do Evangelho, mas lugar onde se
manifeste o grande amor de Deus."
A Tradição custodia a verdade e a graça, mas a
Igreja tem que lidar com os vários aspectos da verdade que pouco a pouco vamos compreendendo.
“Nenhuma modalidade histórica de viver o
Evangelho esgota a sua compreensão. Se nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo,
iremos dia após dia aproximando-nos cada vez mais da 'Verdade completa'.”
Deixar o conflito de lado, abraçar a crise e
colocar-se a caminho
Como comportar-nos na crise? Questiona-se por
fim o Papa. Antes de mais nada, aceitá-la como um tempo de graça que nos foi
dado para compreender a vontade de Deus sobre cada um de nós e a Igreja
inteira. É preciso entrar na lógica, aparentemente contraditória, de que,
"quando sou fraco, então é que sou forte".
Ponto fundamental é não interromper o diálogo
com Deus, nunca se cansar de rezar. "Não conhecemos outra solução para os
problemas que estamos a viver, senão a de rezar mais e, ao mesmo tempo, fazer
tudo o que nos for possível com mais confiança."
Eis então a exortação final do Papa:
“Amados irmãos e irmãs, conservemos uma grande
paz e serenidade, plenamente conscientes de que todos nós, a começar por mim,
somos apenas «servos inúteis», com quem usou de misericórdia o Senhor.”
A crise é movimento, faz parte do caminho. Ao
contrário, o conflito é permanecer no labirinto, perdidos em murmurações e
maledicências.
Francisco pede que cada um de nós,
independentemente do lugar que ocupa na Igreja, interrogue-se se quer seguir
Jesus na crise ou defender-se Dele no conflito.
O Papa conclui pedindo um presente de Natal: a
colaboração generosa e apaixonada da Cúria no anúncio da Boa Nova, sobretudo
aos pobres. E citou Dom Hélder Câmara e sua famosa frase: "Quando dou
comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres,
chamam-me de comunista”.